Fernando Pessoa Resumo e Análise
Os Campos
O dos Castelos
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.
Fernando Pessoa, in Mensagem
O dos Castelos → sistematização
A Europa é perspetivada pelo poeta como figura feminina cujo rosto é, indubitavelmente, Portugal – “O rosto com que fita é Portugal.
Porém, esta figura feminina “jaz”, melhor dizendo, está deitada sobre os
cotovelos, numa atitude de hipotético adormecimento, ou de espera, vivendo das
memórias de um passado, cujas raízes culturais estão associadas à Grécia, Itália e
Inglaterra.
Desta atitude passiva, expectante, apenas o rosto parece estar animado de
vida, porque fita, olha fixamente o Ocidente – o mar, onde a Europa se lançou
através de Portugal, na grandiosidade das descobertas com a qual traçou o seu
próprio futuro. Neste sentido, só Portugal parece estar pronto a despertar e o seu
olhar é, simultaneamente, “esfíngico e fatal”, ou seja, enigmático e marcado pelo
destino.
Assim, o poeta refere-se, sem dúvida, ao papel de Portugal como líder inegável de uma nova Europa, cujo futuro recuperará a glória do passado. A missão
de Portugal está, desde logo, assinalada pela sua localização geográfica estratégica: conquistar o que está para ocidente, o mar, criando um novo império que dará continuidade à supremacia do restante império europeu.
O título do poema é uma alusão ao território português, protegido por os
sete castelos que, uma vez conquistados aos mouros, definiriam a geografia de
Portugal.
Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa,
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floresça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora, e lá na ardente
África estar quieto o não consente.
Esta é a ditosa pátria minha amada,
A qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso, ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela então os Íncolas primeiro
O dos Castelos→ Intertextualidade
Tal como neste poema de Mensagem, a estrofe 20 do canto III d’ Os Lusíadas referencia Portugal como a cabeça da Europa – “quási cume da cabeça de Europa toda” – atribuindo-lhe uma missão predestinada. N’ Os Lusíadas, essa predestinação é ditada pelo “Céu” que quis que Portugal vencesse na luta contra os
mouros.
Quer num texto, quer noutro, é percetível um forte sentimento patriótico,
uma vez que o papel de Portugal face à Europa é enfatizado.
No texto camoniano, tal sentimento expressa-se tanto pela forma como o
poeta vê Portugal como líder da Europa (“cabeça”), como na expressão do amor
do narrador, Vasco da Gama, pela “ditosa pátria”, onde espera vir a morrer depois de cumprida a sua missão.
Já Pessoa valoriza o papel de Portugal junto da civilização ocidental, ao
colocá-lo como resto que fita “O ocidente, futuro do passado”. É um sentimento
muito patriótico aquele que leva Pessoa a antever a construção de um império
muito para alem do material e é também esse sentimento o que o leva a apontar
Portugal como cabeça e Itália e Inglaterra como cotovelos.
Campos
O das Quinas
Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!
Baste a quem basta o que lhe basta
O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar
Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu.
O das Quinas → sistematização
O poeta faz uma série de afirmações paradoxais – “Os deuses vendem
quando dão” -, ou baseadas em jogos de palavras – “Baste a quem basta o que lhe
basta” – com um único objetivo: mostrar que para se atingir a grandeza, para se
conquistar a glória é indispensável estar disposto a sofrer – “Compra-se a glória
com a desgraça”.
Qual será, pois, o destino do Homem, mais particularmente o do Homem
português? O mesmo de Cristo: tal como Ele, os portugueses só ascenderão a um
plano superior, transcendendo-se, superando as limitações da própria vida, por
natureza efémera – “A vida é breve, a alma é vasta”.
Estão, então, traçadas as potencialidades da alma portuguesa, uma alma
que se afirma “vasta”, grande – será esta grandeza de alma que presidirá todos os
heróis de Mensagem.
Se se descodificar o titulo do poema, “as quinas” correspondem às cinco
chagas de Cristo, símbolo do sofrimento e morte redentores da humanidade. Por
conseguinte, as quinas são, desde logo, a expressão de que só o sacrifício conduz
à redenção e à glória, projetando a missão de Portugal para um plano de espiritualidade.
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