Frei Luis de Sousa Parte 1
Frei Luís de Sousa de Almeida
Garrett
Romantismo
Origens do movimento
romântico em Portugal
Em Portugal, o Romantismo está
diretamente ligado às lutas liberais, porque os escritores românticos mais
representativos deste movimento estético – Garrett e Herculano – foram
combatentes liberais. Qualquer destes escritores foi exilado político na altura
das lutas liberais, tendo vivido em França e Inglaterra. Ao regressarem,
trouxeram consigo os ideais deste novo movimento estético-literário que
introduziram em Portugal.
Assim, é o poema Camões de Garrett, publicado em Paris em
1825, que assinala o início do Romantismo em Portugal. Porém, como esta obra
não teve sequência imediata, será mais correto datá-lo a partir de 1836, data
da publicação de A Voz do Profeta de
Alexandre Herculano.
Características do Romantismo
1. O
individualismo – O “eu” é o valor máximo para os românticos. Por isso, o
romântico afirma o culto da personalidade (egocentrismo), da expressão
espontânea de sentimentos, do confessionalismo e a subjetividade.
2. O
idealismo – O romântico aspira ao infinito e a um ideal que nunca é atingido.
Por isso, valoriza o devaneio e o sonho.
3. A
inadaptação social – Por isso, mantêm uma atitude de constante desprezo e
rebeldia face à realidade e às normas estabelecidas, considerando-se inadaptado
e vítima do destino.
4. Privilegia
a liberdade como um valor máximo – Contrariamente ao classicismo que cultiva a
razão, o romântico cultiva o sentimento e a liberdade, daí a expressão “Viva a
liberdade!”.
5. A
atração pela melancolia, pela solidão e pela morte como solução para todos os
males.
6. A
sacralização do amor – O amor é um sentimento vivido de forma absoluta,
exagerada e contraditória, precisamente por ser um ideal inatingível. A mulher
ou é um ser angelical bom (mulher-anjo, que leva à salvação), ou é um ser
angelical mau (mulher-demónio, que leva à perdição).
7. O
“mal du siède” ou o “spleen” – É o pessimismo, o cansaço doentio e melancólico,
a solidão, uma espécie de desespero de viver, resultante da posição idealista
que mantém perante a vida. Por isso, o romântico é sempre um ser incompreendido
que cultiva o sofrimento e a solidão.
8. O
gosto pela natureza noturna – Para os românticos, a natureza é a projeção do
seu estado de alma, em geral tumultuoso e depressivo. Assim, esta é
representada de forma invernosa, sombria, agreste, solitária e melancólica
(“locus horrendus”), contrariamente ao “locus amoenus” dos clássicos, que é uma
natureza luminosa, harmoniosa e primaveril. Esta natureza noturna traduz a
atração que o romântico tem pela própria morte.
9. O
amor a tudo o que é popular e nacional – Para o romântico, é no povo que reside
a alma nacional. Daí o gosto pela Idade Média, pelas lendas, pelas tradições,
pelo folclore, por tudo o que é nacional.
10. A
linguagem é declamativa e teatral, porém o vocabulário é muitas vezes mais
corrente e familiar.
Frei Luís de Sousa
Características do teatro clássico
As principais características da
tragédia antiga são as seguintes:
1. Na
tragédia antiga, o Homem é um mero joguete do Destino. Este é uma força
superior que age de forma inexorável sobre o protagonista, sem que ele tenha
qualquer culpa.
2. Dividia-se
em prólogo, três atos e epílogo.
3. Tem
poucas personagens (três). Estas são nobres de sentimentos ou de condição
social.
4. A
ação dispõe-se sempre em gradação crescente, terminando num clímax.
5. Contém
sempre vários elementos essenciais – o desafio, o sofrimento, o combate, o
Destino, a peripécia, o reconhecimento, a catástrofe e a catarse.
6. Existia
um coro que tinha como função comentar e anunciar o desenrolar dos
acontecimentos.
7. A
tragédia clássica obedece à lei das três unidades – unidade de espaço (não há
em geral mudança de cenário e os acontecimentos passam-se todos no mesmo
lugar), unidade de tempo (todos os acontecimentos têm de se desenrolar nos
espaço de 24 horas, mostrando que a ação do Destino é imperativa e fulminante)
e unidade de ação (a tragédia antiga exige que o espectador se centre apenas no
problema central, sem desvio para ações secundárias).
8. A
linguagem da tragédia é em verso
Elementos essenciais da tragédia
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A Hybris
O desafio |
Consiste num desafio que o protagonista realiza, após um momento de
crise. Tal desafio pode ser contra a lei dos deuses, a lei da cidade, as leis
e os direitos da família, ou, finalmente, contra as leis da natureza.
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O Pathos
O sofrimento |
A sua decisão, o seu desafio, a sua revolta, têm como consequência o
seu sofrimento, que ele aceita e que lhe é imposto pelo Destino e executado
pelas Parcas. Tal sofrimento será progressivo.
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O Agón
O combate |
É o combate ou a luta que nasce do desafio e se desenrola na oposição
de homens contra deuses, de homens contra homens ou de homens contra ideias.
Pode ser físico, psicológico, individual ou coletivo. O conflito é a alma da
tragédia.
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A Anankê
O Destino
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É o Destino, sombria potestade a que nem aos deuses é permitido
desobedecer. É, pois, cruel, implacável e inexorável.
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A Peripéteia
A peripécia
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É a súbita mutação dos sucessos, no contrário. A peripécia é, pois,
um acontecimento quase sempre imprevisto que altera completamente o rumo da
ação, invertendo a marcha dos acontecimentos e precipitando o desenlace.
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A Anagnórisis
O reconhecimento
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É o aparecimento de um lado novo, quase sempre a identificação de uma
personagem culta. Para Aristóteles, o reconhecimento devia dar-se juntamente
com a peripécia.
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A Katastophé
A catástrofe
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Desenlace fatal onde se consuma a destruição das personagens. A
catástrofe deve vir indiciada desde o início, dado que ela é a conclusão
lógica da luta entre a Hybris e a Anankê, luta que é crescente (clímax) e
atinge o ponto culminante (acmê) na agnórise.
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A Katársis
A catarse |
É o efeito completo da representação trágica que visa purificar os
espectadores de paixões semelhantes às dos protagonistas, pelo terror e pela
piedade.
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Características do drama romântico
1. Foi
criado por Victor Hugo, o grande mestre do Romantismo francês.
2. O
Romantismo valoriza a ação do Homem, por isso o herói já não é joguete do
destino, mas das próprias paixões humanas.
3. O
drama romântico pretende fazer uma maior aproximação da realidade. Assim Victor
Hugo propõe uma aproximação entre o sublime e o grotesco, conforme a vida real.
Tem também preferência por temas nacionais.
4. A
linguagem deverá corresponder à realidade e por isso é em prosa.
5. A
personagem imaginária constituída pelo coro desaparece.
Génese de Frei Luís de
Sousa
1. Manuel
de Sousa Coutinho, nascido em 1556, era fidalgo de linhagem e levou uma vida
acidentada por terras de África e de Ásia. Consta que lançara fogo ao seu
palácio de Almada, em 1599, por divergências políticas ou pessoais com os
governadores do Reino em nome dos Filipes. Casara com D. Madalena de Vilhena,
anteriormente mulher de D. João de Portugal, que morreu em Alcácer Quibir, em 4
de agosto de 1578. O seu biógrafo Frei António da Encarnação regista a tradição
segundo a qual a entrada de ambos os cônjuges na ordem dominicana, em 1612, se
deveria ao regresso inesperado de D. João dePortugal.
2. Na
Memória do Conservatório Real, Garrett afirma conhecer bem a tradição literária
sobre Frei Luís de Sousa. Ora as principais fontes que tinha lido eram a
“Memória do Sr. Bispo de Viseu, D. Francisco Alexandre Lobo”, e a “romanesca
mas sincera narrativa do padre Frei António da Encarnação”. Afirma Garrett na
referida Memória que “discorrendo um verão pela deliciosa beira-mar da
província do Minho, fui dar com um teatro ambulante de atores castelhanos
fazendo suas récitas numa tenda de lona no areal da Póvoa do Varzim. (…) Fomos
à noite ao teatro: davam a comédia famosa não sei de quem, mas o assunto era
este mesmo de Frei Luís de Sousa.” Esta representação teve lugar na Póvoa em
1818.
3. Garrett
consultou ainda muitas coleções de “comédias famosas” mas não encontrou mais
nada a respeito de Frei Luís de Sousa. Ouviu na sala do Conservatório, a
leitura do relatório sobre o drama O
Cativo de Fez. Nessa altura, Garrett sentiu a diferença entre a fábula
engenhosa e complicada desse drama e a história tão simples de Frei Luís de
Sousa. Tal facto inspirou-lhe a vontade de fazer o seu drama.
4. Tem-se
escrito que este drama é a projeção poética da sua própria vida. Não se devendo
confundir a obra e autor, não deixa de ser curioso mostrar as coincidências
entre ambos.
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Garrett
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Frei Luís de Sousa
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Casamento com Luísa Cândida Midosi, sem descendência
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Casamento de Madalena com D. João de Portugal
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Separado de Luísa Midosi, passa a viver com Adelaide Pastor Deville –
o seu grande amor
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Casamento de D. Madalena com Manuel de Sousa Coutinho – o seu grande
amor
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Da sua ligação com Adelaide, nasce a única filha: Maria Adelaide, por
quem sente grande desvelo
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Do casamento com Manuel de Sousa Coutinho, nasce a única filha: Maria
de Noronha (segundo a história, chamava-se Ana de Noronha)
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O problema da legitimidade de Maria Adelaide atormenta Garrett
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D. Madalena vive atormentada pelo mesmo problema
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Adelaide Pastor morre tuberculosa
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Maria de Noronha é tuberculosa
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Memória ao conservatório real
A representação da peça foi precedida da sua leitura feita pelo próprio
autor em 6 de maio de 1843 no Conservatório Real de Lisboa perante um auditório
muito exigente.
A 1ª representação foi feita num teatro particular na Quinta do
Pinheiro em 4 de julho de 1843, por oito atores. Por impossibilidade de um
ator, o próprio Garrett fez o papel de Telmo. A censura terá cortado certas
partes, sendo o texto integral representado apenas em 1850 no Teatro Nacional
D. Maria II, num momento em que já não havia censura.
A memória ao Conservatório é um texto teorizador que acompanhará para
sempre a própria peça, da qual é anúncio, justificação e interpretação. Dado o
seu grande valor, apresentamos aqui as grandes linhas do seu conteúdo.
1. A
história de Frei Luís de Sousa, legada pela tradição, contém toda a
simplicidade de uma fábula trágica antiga, com a vantagem de ser perpassada
pela delicada sensibilidade da esperança cristã. Ali não há desespero pagão.
“Casta e severa como as de Ésquilo, apaixonada como as de Eurípedes, enérgica e natural como as de Sófocles, tem, de mais do que essas outras, aquela unção e delicada sensibilidade que o esírito do Cristianismo derrama por toda ela, molhando de lágrimas contritas o que seriam desesperadas ânsias num pagão, acendendo, até nas últimas trevas da morte, a vela da esperança que não se apaga com a vida.”
“Casta e severa como as de Ésquilo, apaixonada como as de Eurípedes, enérgica e natural como as de Sófocles, tem, de mais do que essas outras, aquela unção e delicada sensibilidade que o esírito do Cristianismo derrama por toda ela, molhando de lágrimas contritas o que seriam desesperadas ânsias num pagão, acendendo, até nas últimas trevas da morte, a vela da esperança que não se apaga com a vida.”
2. Paralelo
entre as personagens de Frei Luís de Sousa e algumas personagens mitológicas:
Prometeu, Édipo e Jocasta, para evidenciar a superioridade daquelas.
3. Frei
Luís de Sousa é uma verdadeira tragédia:
“Não lhe dei todavia esse nome porque não quis romper de viseira com os estafermos respeitados dos séculos que, formados de peças que nem ofendem nem defendem no atual guerrear, inanimados, ocos, e postos ao canto da sala para onde ninguém vai de propósito – ainda têm contudo a nossa veneração, ainda nos inclinamos diante deles quando ali passamos por acaso.
Demais, posto que eu não creia no verso como língua dramática possível para assuntos tão modernos, também não sou tão desabusado, contudo, que me atreva a dar uma composição em prosa o título solene que as musas gregas deixaram consagrado à mais sublime e difícil de todas as composições poéticas. (…)
Contento-me para a minha obra com o título modesto de drama: só peço que não a julguem pelas leis que regem, ou devem reger, essa composição de forma e índole nova; porque a minha, se na forma desmerece da categoria, pela índole há de ficar pertencendo sempre ao antigo género trágico.”
“Não lhe dei todavia esse nome porque não quis romper de viseira com os estafermos respeitados dos séculos que, formados de peças que nem ofendem nem defendem no atual guerrear, inanimados, ocos, e postos ao canto da sala para onde ninguém vai de propósito – ainda têm contudo a nossa veneração, ainda nos inclinamos diante deles quando ali passamos por acaso.
Demais, posto que eu não creia no verso como língua dramática possível para assuntos tão modernos, também não sou tão desabusado, contudo, que me atreva a dar uma composição em prosa o título solene que as musas gregas deixaram consagrado à mais sublime e difícil de todas as composições poéticas. (…)
Contento-me para a minha obra com o título modesto de drama: só peço que não a julguem pelas leis que regem, ou devem reger, essa composição de forma e índole nova; porque a minha, se na forma desmerece da categoria, pela índole há de ficar pertencendo sempre ao antigo género trágico.”
4. A
simplicidade e a não-violência, tentativas dum teatro novo, são capazes de
provocar nas plateias, gastas pelos dramas ultrarromânticos, a piedade e o
terror.
5. “O drama é a expressão literária mais verdadeira
do estado da sociedade”. Garrett afirma que as suas teorias de arte se
reduzem a “pintar do vivo, desenhar do nu, e a não buscar poesia nenhuma nem de
invenção nem de estilo fora da verdade e do natural.”
6. Não
segue a cronologia
“Escuso dizer-vos, Senhores, que me não julguei obrigado a ser escravo da cronologia nem a rejeitar por impróprio da cena tudo quanto a severa crítica moderna indigitou como arriscado de se apurar para a história. Eu sacrifico às musas de Homero, não às de Heródoto: e quem sabe, por fim, em qual dos dois altares arde o fogo de melhor verdade!»
“Escuso dizer-vos, Senhores, que me não julguei obrigado a ser escravo da cronologia nem a rejeitar por impróprio da cena tudo quanto a severa crítica moderna indigitou como arriscado de se apurar para a história. Eu sacrifico às musas de Homero, não às de Heródoto: e quem sabe, por fim, em qual dos dois altares arde o fogo de melhor verdade!»
7. A missão do escritor é “falar
ao coração e ao ânimo do povo pelo romance e pelo drama”.
“Este é um século democrático; tudo o que se fizer há de ser pelo povo e com o povo... ou não se faz. (...)
Os sonetos e os madrigais eram para as assembleias perfumadas dessas damas que pagavam versos a sorrisos: – era talvez a melhor e mais segura letra que se vencia na carteira do poeta. Os leitores e espectadores de hoje querem pasto mais forte, menos condimentado e mais substancial: é povo, quer verdade. Dai-lhe a verdade do passado no romance e no drama histórico - no drama e na novela de atualidade oferecei-lhe o espelho em que se mire a si e ao seu tempo, a sociedade que lhe está por cima, abaixo, ao seu nível, – e o povo há de aplaudir porque entende: é preciso entender para apreciar e gostar.”
“Este é um século democrático; tudo o que se fizer há de ser pelo povo e com o povo... ou não se faz. (...)
Os sonetos e os madrigais eram para as assembleias perfumadas dessas damas que pagavam versos a sorrisos: – era talvez a melhor e mais segura letra que se vencia na carteira do poeta. Os leitores e espectadores de hoje querem pasto mais forte, menos condimentado e mais substancial: é povo, quer verdade. Dai-lhe a verdade do passado no romance e no drama histórico - no drama e na novela de atualidade oferecei-lhe o espelho em que se mire a si e ao seu tempo, a sociedade que lhe está por cima, abaixo, ao seu nível, – e o povo há de aplaudir porque entende: é preciso entender para apreciar e gostar.”
Estrutura externa e interna
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Atos
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Estrutura externa
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Estrutura interna
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Ato I
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Cenas I-IV
Cenas V-VIII Cenas IX-XII |
Informações sobre o passado das personagens
Decisão de incendiar o palácio
Ação: incêndio do palácio
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Ato II
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Cenas I-III
Cenas Iv-VIII
Cenas IX-XV
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Informações sobre o que se passou depois do incêdio
Preparação da ação: ida de Manuel de Sousa Coutinho a
Lisboa
Ação: chegada do romeiro
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Ato III
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Cena I
Cenas II-IX
Cenas X-XII
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Informações sobre a solução adotada
Preparação do desenlace
Desenlace |
Conclusão: Garrett construiu o seu drama, realizando o que
tinha anunciado na Memória ao Conservatório Real. São notáveis a simplicidade
de construção e a harmonia dos três atos.
Elementos essenciais da ação
dramática
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