Frei Luis de Sousa Parte 2


Ação

                Toda a ação se passa nos finais do séc. XVI, após o desaparecimento de D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir. Com ele parte D. João de Portugal, personagem vital que desaparece também desencadeando toda a ação dramática em Frei Luís de Sousa. Todos estes acontecimentos decorrem sob domínio Filipino.
                Após o desaparecimento de D. João de Portugal, D. Madalena manda-o procurar durante sete anos mas em vão. Casa então com D. Manuel de Sousa, nobre cavaleiro, de quem tem uma filha de 14 anos. D. Madalena vive uma vida infeliz, cheia de angústia e de tranquilidade, no receio de que o seu primeiro marido esteja vivo e acabe por voltar. Tal facto acarretaria para Madalena uma situação de bigamia e a ilegitimidade de Maria, sua filha. Esta é tuberculosa e vive, em silêncio, o drama da sua mãe que será o seu. Efetivamente D. João de Portugal acaba por regressar, acarretando o desenlace trágico de toda a ação.


A natureza trágica da ação

          Elementos
               Trágicos

Personagens
Hybris
(o desafio)
Agón
(o conflito)
Pathos
(o sofrimento)
Katastrophé
(a catástrofe)
D. Madalena de Vilhena
Contra as leis e os direitos da família:
-adultério no coração
-consumação pelo casamento com D. Manuel
-profanação de um sacramento
-bigamia
Interior, de consciência
Contínuo
Crescente
Gerador de conflitos:
-com D. Manuel (I,7 e 8)
-com D. João (I,1, 2, 3, 7 e 8)
-com Maria (I,3)
-com Telmo (I,2)
Sofrimento por causa do adultério
Sofrimento pela incerteza da sorte do 1º marido
Sofrimento violento pela volta ao palácio do 1º marido
Sofrimento cruel após conhecimento da existência do 1º marido:
-pela perda do marido
-pela perda de Maria
Causada pelo regresso de D. João: morte psicológica (separação do marido e profissão religiosa)
Salvação pela purificação
Manuel de Sousa Coutinho
Revolta contra as autoridades de Lisboa (I,8,11 e 12; II,1)
Desafia o destino ao incendiar o palácio (I,11 e 12)
Recusa o perdão (II,1)
Inconscientemente participante da hybris de sua esposa
Não tem conflito de consciência
Não entra em conflito com as outras personagens
A sua hybris desencadeia e agudiza os conflitos das outras personagens
Sofre a angústia pela situação da sua mulher (III,8)
Sofre a angústia pela situação presente e futura da filha (III,1)
Morte psicológica:
-separação da esposa
-separação do mundo
-profissão religiosa
Glória futura de escritor:
-Frei Luís de Sousa: glória de santo
D. João de Portugal
Abandona a família
Não pode dar notícias da sua existência
Aparece quando todos os julgavam morto
Não tem conflito
Alimenta os conflitos dos outros
Agudiza todos os conflitos com o seu regresso
Sofre o esquecimento a que foi votado
Sofre pelo casamento da sua mulher
Sofre por não poder travar a marcha do Destino (III,2)
Morte psicológica:
-separação da mulher
-a situação irremediável do anonimato
D. Maria de Noronha
Revolta contra a profissão religiosa dos pais
Revolta contra D. João de Portugal
Revolta contra Deus
Convida os pais a mentir
Não tem conflito
Entra em conflito:
-com sua mãe (I, 3 e 4)
-com seu pai (I, 3 e 5)
-com Telmo (II,1)
-com D. João de Portugal (I,4; II, 1 e 2; III, 11 e 12)
Sofre fisicamente (tuberculose)
Sofre psicologicamente (não obtém resposta a muitos agoiros e tem vergonha da ilegitimidade)
Morre fisicamente
Vai para o céu
Telmo Pais
Afeiçoa-se a Maria
Deseja que D. João de Portugal tivesse morrido (II, 4 e 5)
Conflito de consciência (III,4)
Conflito com outras personagens:
-com D. Madalena (I,2)
-com D. Manuel (I, 2)
-com Maria (I,2)
-com D. João de Portugal (III, 4 e 5)
Sofre pela dúvida constante que o assalta acerca da morte de D. João de Portugal
Sofre hesitando entre a fidelidade a D. João e a D. Manuel
Sofre a situação de Maria
Não poderá resistir a tantos desgostos

Personagens

D. Madalena de Vilhena

·         Nobre: família e sangue dos Vilhenas (I,8)
·         Sentimental: deixa-se arrastar pelos sentimentos muito mais do que pela razão
·         Pecadora
·         Torturada pelo remorso do passado: não chega a viver o presente por impossibilidade de abandonar o passado
·         Redimida pela purificação no convento: saída romântica para solução de conflitos
·         Modelo da mulher romântica: para os românticos, a mulher ou é anjo ou é diabo
·         Personagem modelada: profundidade psicológica evidente; capacidade de gerir conflitos (I,7)
·         Marcada pelo destino: amor fatal
·         Apesar de ser uma heroína romântica, D. Madalena não luta por nenhuma ordem de valores superiores, nem por nenhum idealismo generoso, pois nela não se evidencia de forma particular a luta por qualquer ideal
·         O que nela transparece acima de tudo é a sua natureza feminina, o seu amor de mulher a que prioritariamente se entrega, pois há nela um conceito ou um desejo de felicidade que assenta numa vida objetiva, concreta à dimensão humana
·         De qualquer modo, D. Madalena é uma personagem que se impõe à compreensão, à estima e à simpatia do leitor, talvez pela espontaneidade com que vive a sua vida sentimental e moral. Embora procure no segundo casamento uma proteção para a sua instabilidade, mantém sempre uma integridade moral em relação à sua própria condição e até uma dignidade de classe que naturalmente a impõe
·         Marcas psicológicas: angústia, remorso, inquietação, insegurança, amor, medo e horror à solidão e é uma personagem tendencialmente modelada porque apresenta bastante densidade psicológica

Manuel de Sousa Coutinho

·         Nobre: cavaleiro de Malta (só os nobres é que ingressavam nessa ordem religiosa) (I,2 e 4)
·         Racional: deixa-se conduzir pela razão no que contrasta com a sua mulher
·         Bom marido e pai terno (I,4; II,7)
·         Corajoso, audaz e decidido (I,7, 8, 9, 10, 11, 12; III, 8)
·         Marcado pelo destino (I, 11; II, 3 e 8)
·         Encarna o mito romântico do escritor: refúgio no convento, que lhe proporciona o isolamento necessário à escrita
·         Até à vinda do romeiro, representa o herói clássico racional, equilibrado e sereno. A razão domina os sentimentos pela ação da vontade
·         Tem como ideal de vida o culto pela honra, pelo dever, pela nobreza de ações (daí o seu nacionalismo e o incêndio do palácio)
·         Porém, no início do ato III, após o aparecimento do romeiro, Manuel de Sousa perde a serenidade e o equilíbrio clássico que sempre teve e adquire características românticas. A razão deixa de lhe disciplinar os seus sentimentos, e estes manifestam-se com descontrolada violência. Exemplos:
o   Revela sentimentos contraditórios (deseja simultaneamente a morte e a vida da filha)
o   Utiliza um vocabulário trágico e repetitivo, próprio do código romântico (“desgraça”, “vergonha”, “escárnio”, “desonra”, “sepultura”, “infâmia”, etc.)
o   Opta por atitudes extremas (a ida para o convento) como solução para uma situação socialmente condenável
o   Ao optar por esta atitude, encarna o mito do escritor romântico, como um ser de exceção, que se refugia na solidão para se dedicar à escrita
·         Embora esteja ausente, de uma forma expressa, de todo o mito sebastianista que atravessa o drama, Manuel de Sousa insere-se nele pela defesa dos valores nacionalistas

D. João de Portugal:

·         Nobre: família dos Vimiosos (I,2)
·         Cavaleiro: combate com o seu rei em Alcácer Quibir (II,2)
·         Ama a pátria e o seu Rei
·         Representante da época de oiro portuguesa
·         Imagem da Pátria cativa
·         Ligado à lenda de D. Sebastião (I,2)
·         D. João é uma personagem dupla. Por um lado, é uma personagem abstrata porque só por si não participa no conflito. Por outro, é uma personagem concreta, porque mesmo ausente ele é a força desencadeadora de toda a energia dramática da peça, permanecendo permanentemente em cena através das outras personagens (através das evocações de Madalena, das convicções de Telmo, do Sebastianismo de Maria, das crenças, dos agouros e dos sinais)
·         Porém, uma vez que a sua figura se concretiza em cena (a partir do fim do II ato, é como se toda a sua força simbólica se esgotasse pois que a personagem carece de força e de convicção para poder existir. De tal modo é assim que no final da peça ninguém se compadece dele como marido ultrajado, mas das outras personagens trágicas.
·         D. João é assim uma personagem simbólica que movimenta todas as outras personagens. Simboliza a fatalidade, a força do Destino que atua inexoravelmente sobre as outras personagens, levando a ação a um desfecho trágico.

D. Maria de Noronha

·         Nobre: sangue dos Vilhenas e dos Sousas (I,2)
·         Precocemente desenvolvida, fisica e psicologicamente (I,2, 3 e 6)
·         Doente: tuberculose, a doença dos românticos
·         Culto de Camões: evoca constantemente o passado (II,1)
·         Culto de D. Sebastião: martiriza a mãe involuntariamente (II,1)
·         Poderosa intuição e dotada do dom da profecia (I,4; II,3; III,12)
·         Marcada pelo Destino: a fatalidade atinge-a e destrói-a (III,12)
·         Modelo da mulher romântica: a mulher-anjo bom
·         A ameaça que percorre o texto é-lhe essencialmente dirigida, razão pela qual se torna vítima inocente e consequentemente heroína. Quer atuando, quer através das falas das outras personagens, Maria está sempre em cena, tornando-se assim o núcleo de construção de toda a peça.
·         Maria não nos aparece nunca como uma personagem real pois a sua figura é altamente idealizada. Como consequência dessa idealização, Maria não tem uma dimensão psicológica real, porque é simultaneamente criança e adulto, não se impondo com nenhum destes estatutos.
·         Maria apresenta algumas marcas de personalidade romântica:
o   É intuitiva e sentimental
o   É idealista e fantasiosa, acreditando em crenças, sonhos, profecias, agoiros, etc.
o   Tem capacidade de desafiar as convenções pois ama a aventura e a glória
o   Tem o culto do nacionalismo, do patriotismo e do Sebastianismo
o   Apresenta uma fragilidade física em contraste com uma intensa força interior (é destemida)
o   Morre como vítima inocente

Telmo Pais

·         Não nobre: escudeiro
·         Ligado sempre à nobreza
·         Confidente de D. Madalena
·         Elo de ligação das famílias
·         Chama viva do passado: alimenta os terrores de D. Madalena
·         Desempenha três funções do coro das tragédias clássicas: diálogo, comentário e profecia
·         Ligado à lenda romântica sobre Camões
·         Telmo tem como que uma dupla personalidade (uma personalidade convencional e outra autêntica). A personalidade convencional é a imagem com que Telmo se construiu para os outros, através dos tempos (a do escudeiro fiel). A personalidade autêntica é a sua parte secreta, aquela que ele próprio não conhecia, e que veio à superfície num momento trágico da revelação em que Telmo teve que decidir entre a fidelidade a D. João de Portugal ou a fidelidade a Maria.
·         Telmo vive assim um drama inconciliável entre o passado a que quer ser fiel e o presente marcado pelo seu amor a Maria. É este drama da unidade/fragmentação do “eu”, ou seja, este espetáculo da própria mudança feito em cena que é uma novidade e uma nota de modernidade no teatro de Garrett.
·         Claro que esta autorrevelação é provocada por uma acontecimento externo que é o Destino, sem a atuação do qual esta revelação não se teria dado.

Frei Jorge

·         É confidente e conselheiro e à semelhança do coro clássico, faz comentários aos factos
·         Pressente o desenlace trágico, contribuindo assim para que os acontecimentos sejam suavizados por uma perspetiva cristã

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